Alucinações. Porque as Temos?

Ter alucinações não significa que estamos sob o efeito do álcool ou que sofremos de uma perturbação mental. Alucinar é mais comum do que a maioria de nós pensa. É de salutar, alucinar! Embora quase sempre associada à doença mental, não nos inquietemos, alucinar faz bem.

Todos alucinamos. De uma forma mais coerente ou menos, de forma descoordenada e na negação da realidade, alucinamos. Diferente da ilusão, a alucinação parte de um princípio: não há objeto na realidade. Somos nós que lá o colocamos. É a percepção sem objeto real.

Foi descoberta no século 18. Dos primeiros autores que à mesma se dedicaram constam Jean- Étienne Esquirol (1772 – 1840), Jean Martin Charcot (1825 – 1893), Sigmund Freud (1839-1956), Melanie Klein (1882 – 1960). Alucinar não faz de nós tontos ou loucos. As alucinações são situações que ocorrem e fazem parte do nosso quotidiano.

Uma alucinação deve ser considerada uma percepção de um objeto que não existe. Com isto queremos dizer que podemos ter a perfeita noção de que o telemóvel tocou no outro quarto, ouvimos o som, em exatidão, contudo, ninguém nos telefonou e o telemóvel está em modo suspenso, sem registo de alguma chamada telefónica. Aquilo que acontece é que, na nossa mente, o telemóvel tocou, à semelhança de um sonho. Estamos descontraídos, numa tarefa que requer a nossa atenção, contudo que nos permite estar atentos à realidade e também aos nossos pensamentos e desejos. É uma alucinação auditiva.

Quando nos morre um ente muito querido, ocorre com regularidade passarmos numa rua sem significado de maior e vemos perfeitamente esse ente querido a passar lá ao longe. Muito ao longe, mas ‘vemos’. Se não está lá ninguém, é uma alucinação visual, se está um desconhecido é uma ilusão. O desejo está lá. A alucinação visual é muito representada no cinema, em especial quando a personagem está no deserto e se alegra com o oásis que afinal não está lá.

Mas porque é que a mente tanto nos engana? Porque é que estas situações nos acontecem? Porque estamos abertos a uma realidade, naquele momento instantâneo, a um outro tipo de circunstâncias que não são as que vivemos no momento. Estamos em expectativa. Estamos em Desejo alucinatório.É a nossa expectativa, mediada na realidade que nos circula em determinados momentos da vida, que nos leva a ter algumas pequenas alucinações.

Transformamos momentaneamente a nossa realidade noutra mais aprazível, já que………estamos há tanto tempo à espera que aquele telefonema chegue! E às vezes acaba mesmo por chegar! E porquê?

Sigmund Freud (1856 – 1939) e em especial uma das suas discípulas, Melanie Klein (1882 – 1960) explicou que na infância, o recém-nascido constituiu-se através da relação que constrói com a mãe, primeiro objeto da realidade, também pequena. Desta constituição, faz parte um primeiro objeto, o seio materno, aquele que o alimenta, e o qual em sobrevivência primária, a criança, o bebe, alucina em expectativa para ser nutrido, como o foi, há 4 horas antes, não tendo pois a consistência e ainda a maturidade precoce para perceber que a mãe regressará.

Dos nossos tempos primários, precoces, na formação da mente e constituição da identidade, funcionamos em modos muito rudimentares, de sim ou não, de bom ou mau. A percepção da realidade assim o é e o que resta ao ser humano pequeno, inteligente, contudo, aprendiz, é proteger-se da estimulação, ordena-la e geri-la. O mecanismo de defesa psicológico, comum a todos, a alucinação, serve os propósitos de ‘nutrir’ o bebe enquanto este espera pelo leite materno, morno, que o aquece e o sacia.

A alucinação é um mecanismo de defesa psicológico que ao longo do crescimento vai sendo menos utilizado, diminui a sua ação, sendo pois substituído por outros, mais elaborados e ‘refinados’, mais necessários em prol da realidade que se transforma e nos transforma. Contudo, não deixa de existir, e funciona, e aparece esporadicamente quando a mente, descontraída, está em expectativa de algo que se conhece. Ter alucinações esporádicas é sinal de saúde mental, é sinal que somos capazes muitas vezes de recuar mentalmente e voltar ao estado presente. 

A alucinação torna-se grave, importante, quando substitui a realidade concreta, numa totalidade invasora e angustiante. Tanto a realidade é angustiante como o mecanismo de defesa utilizado para proteger a pessoa da estimulação excessiva  e que também não se adequa às suas necessidades. Este sentido, é único de perturbação psicológica grave, momentânea ou não, como aquela que é induzido por drogas ou álcool, substâncias que alteram o sistema nervoso e também o psicológico, ou por recusa de uma realidade muito penosa. O último que se impõe, é mais duradouro, e poderá estar associado a quadros psicopatológicos.

IN revista consciente, ‘Sobreviver’,  Janeiro, 2018

www.revistaconsciente.pt

 

Se tem uma pergunta para nós, Escreva-nos. (Gratuito). Se acha que não consegue resolver sozinha/o. Marque uma consulta.
info@mpauladias.com
https://www.mpauladias.com
Psicologia Clínica. Psicoterapia. Psicanálise.