Delinquência Juvenil
Delinquência Juvenil. Histórias de vidas conduzidas a um único caminho: o do crime. Os roubos são incontáveis para alguns, os homicídios inesquecíveis. Com um rolex no pulso, corpos tatuados e Samsungs de última geração, assim são muitos aqueles que a liberdade já lhes foi retirada, pelo menos uma vez ou estão a um passo de não a ter. Uns vivem em Centros Educativos ou Centros de Reinserção. Outros são reincidentes outros, ainda, anseiam pelas horas de formação profissional, anseiam o futuro adiado ou acelerado para começar no dia da saída. Outros, ainda não foram identificados, por ninguém. Delinquentes juvenis. Crianças com experiências de vida de adulto: Drogas, prostituição, roubos, agressões e homicídios e re-educação. Crianças que falam e vivem além a adultícia.
Delinquência Juvenil ou Delinquência infantil? A delinquência é entendida como aquela que, eventualmente, define, um indivíduo que comete atos ilícitos de forma contínua. A este entendimento, se a idade do mesmo indivíduo, é menor que os 18 anos, então falamos de delinquência juvenil. Esta pode ser definida como um fenómeno criado pela sociedade e é, com certeza, uma noção judicial e social. As atividades de delito mais comuns entre os jovens e as crianças são: o cibercrime, o roubo simples, a agressão simples e a ofensa verbal. Também neste conceito cabe o homicídio, por negligência ou em primeiro grau, ou ainda as diversas ofensas verbais e/ou físicas graves. Em face do crime praticado, ao ser ‘apanhado’, o jovem ou a criança, vão a julgamento e daí, na condenação à privação de liberdade, são encaminhados para um centro educativo, segundo o enquadramento tutelar educativo português. As crianças, menores de 18 anos, são julgadas, em acordo com a sua idade e não como se fossem Adultos. Do Relatório Nacional de Segurança Interna, em 2015, a delinquência infantil manteve-se num limite não abaixo dos 2 mil casos anuais.
Não tendo descido de forma relevante nos últimos 6 anos. Lisboa e o Porto têm mais expressão para o crime praticado por menores de 18 anos, a título individual. Quanto o crime é grupal, os números, no ano passado, subiram para o dobro. Estes são os dados dos casos registados. A estes números podemos ainda perceber que nos milhões em Portugal, só uma parcela comete crime (?!) . Isto é, é apanhado e registado, os restantes adolescentes, num mundo de crime, ou enveredam por outro tipo de crime, ou seguem um percurso mais ou menos dentro das regras da sociedade, ou então…não são apanhados. Concordamos com Jorge Negreiros, autor do livro publicado em 2008 ‘Delinquências juvenis, Trajetórias, Intervenção e Prevenção’ que afirma que embora a maioria dos jovens cometa delitos, apenas uma parcela os comete de forma insistente. Mas afinal, o que leva este ou aquele outro jovem a cometer delitos? Agir em conformidade com as suas próprias vontades? Uma crise de valores? Uma crise de identidade? Afirmação vincada pela experiência dos grupos de pares? Oposição às autoridades? Puro vandalismo? Prazer em prejudicar o outro ou a sociedade? Ato de afirmação?
Pensamos que qualquer reflexão sobre cada uma destas questões é válida como resposta. As motivações são variadas e complexas, numa amálgama de situações e vivências que levam as crianças ao crime. O período adolescente também é, com certeza, um fator a ponderar. É um momento único na vida de um ser humano. Não há igual. Só quem por lá passou saberá que o tempo não é eterno, não volta para trás. Muito ao contrário do que se sentiu. Muito ao contrário da adolescência.
A adolescência é a emancipação de um indivíduo que pode jogar dois papeis, ser criança e ‘pular‘ para o colo dos pais ou ser adulto e fumar e beber cafeína ou tomar decisões sobre a sua própria vida ou rumo. É a liberdade de não querer, querendo ou não fazer, fazendo ou o contrário. Da imaginação e eternidade, o corpo modifica-se, torna-se útil no mundo dos adultos, com mais prazer, mais profundidade, com a imensidão dos anos pela frente. Tudo se joga, tudo se tudo se quer, e tambem, tudo se pode fazer ou ser. Só assim existem, em eterno! Sem a responsabilidade factual, fica a outra que se vai adquirindo. Esta vem com os anos. A delinquência é um rumo, um caminho que anda ao lado do adolescer. Dos especialistas em diversas áreas: judicial, social, psicológica, ouvimos falar em várias culpas. Por ordem: a família, o estado do País e por último, a sociedade. Na família, chegam-nos os conceitos de violência, abandono, ausência, consumo de estupefacientes, separação, falta de controlo, lacunas nos limites e na autoridade. Sem que estas explicações estejam erradas, retemos em comum às mesmas: desresponsabilização parental e desconhecimento por parte dos pais dos seus filhos. Sobre o Estado , neste caso, Português, chegam-nos os conceitos de Escola, Escola Segura, Resinserção social, Centro de Acolhimento e Centros Educativos.
Sobre estes ouve-se, em particular, que a Escola não cumpre o papel de educador, não quer saber, o que será o mesmo que abandono, que não existem psicólogos em número suficiente, ou ainda que a oferta das escolas é fraca, no que toca a opções profissionais, atividades ou ainda que as escolas fecham e não têm condições ou professores. O que nos leva a pensar que esta também não cumpre o seu papel, quando uma situação grave ocorre. Ou os técnicos não estão preparados e não têm conhecimentos alguns do que é ser Técnico de Reinserção Social, ou não assumem a responsabilidade da instituição que lhes dá um ordenado ao fim do mês ou então há uma qualquer falta de comunicação entre o jornalismo que veicula as notícias acima mencionadas e a Direção da Reinserção Social. Em suma, e em face das reflexões que se podem elaborar, também não são recurso suficientemente contentor de um jovem que precisa de ajuda. Por fim, da sociedade, e o seu papel de protetor, exemplo para identificação, suporte e inspiração, vemos as representações que à personalidade do jovem deviam acrescentar, melhorar e renovar, destruídas ou anuladas por interesses económicos, em base e em essência, por invejas e uma competição desmedidas, pela crescente constituição de super-modelos excelentes em tudo e grupos que discriminam e isolam.
Tudo é Dinheiro, Violência, Agressividade, Discriminação. Como se proteger? A massividade de individualidade, sobrevivência a todo o custo numa gestão emocional aos altos e baixos não deixa muito sombra de e na dúvida. Dinheiro é poder. Conhecimentos também. Da relação surge-nos uma espécie de nova teoria sobre a constituição da delinquência.
Os três sistemas ou instituições falham em uníssono.—Pais, Estado, Sociedade—. Não há recursos internos que já em fabrico de um agir fácil pelo tempo de ser juvenil, a tentação abre caminho a todo o gás! Recursos Externos tambem parece que estão em falha grave! Uma tríade que pertence ao mundo interno ora ao mundo externo num balanceamento que podia ser correto pelas funções e significações ora de um, outro e o mais exterior, contudo, não o é. Não traduz emoções, não segura sentimentos, não transforma, retrai e leva à elaboração do pensamento em detrimento da ação, do agir, mais propriamente, tão direto e exposto que está no juvenil porque está em crescimento. É o ursinho já roto, infantil, que é simbolizado, noutro objeto transitivo, o ferro de 9mm, que mata.
O brinquedo que está a meio do mundo interno e do mundo externo com o qual se brinca aos polícias e ladrões, a sério.Entre o bem e o mal, reforçando clivagens e cisões que voltam para (o) Ser, num percurso de doença, desacertos nos i’s psíquicos e para ficar como traços de personalidade, através, também, da espécie da Tríade —Família, Estado, Sociedade— que, mesmo em tríade e só em tríade, falha, porque tríade apenas, nestes jovens, os delinquentes, e que vai falhando em conjunto pelo mundo inteiro. Outras teorias se juntam ou complementam este pensamento. A de Albert Cohen, que em 1955, estudou ‘Rapazes Delinquentes’. Para ele, o juvenil procura subculturas, na sua maioria, aquém da lei, para satisfazer as suas necessidades de identificação e de identidade. Deste modo, roubando, testa limites, põe em causa representações.
A nosso entender, derrotar um pai edípico e resolver a castração e avançar para a adultícia, nestes sub-grupos, não é mental, é físico, pela ação, que devia ser simbolizada, pela criatividade em mil e uma forma possíveis, saudáveis, benéficas. É acolhido no grupo pelas suas rebeldias exageradas, como forma de as ver bem, uma vez que de outra forma não consegue. São enviesadas, extravazadas, em limites que não tem, tem menos, teve menos. Andar em bando na rua a balançar uma 9mm, aos gritos e saltos de criança, é o típico, delinquente. Derrota o pai, interno, externo.
Derrota o padrão socializador, de normas, a lei parental e a lei da sociedade. Não toca guitarra com amplificadores, no quarto, não. Não fuma um charro ou um cigarro às escondidas. Rouba, projeta, saqueia o que não lhe deram em quantidade, em afeto. Saquear o outro é importante, tal como se sente saqueado. Noutra teoria, a de Richard Cloward e Lloyd Ohlin, tambem a delinquência é estudada sob o prisma da subcultura. Estes dois autores, sociólogos, focaram a sua atenção para a divergência de oportunidades entre os indivíduos, afirmando que esta seria fatal para uma criança cair ou não na delinquência, de acordo com o seu meio envolvente, (Delinquência e Oportunidade: A teoria dos gangues delinquentes, 1960). A Delinquência existe, é um fenómeno cada vez menos raro, ou pontual, por uma amalgama de razões, que se juntam em determinada época da vida ou vidas e constituem um perfil mais ou menos semelhante em qualquer criança ou juvenil. As suas reações e/ou revoltas, no sentir, no agir, são semelhantes. Conduz-os ao crime, à instituição, à re-educação, se não morrem cedo.
Há em Portugal, pelo menos 8 Centros Educativos. Guarda, Lisboa, Madeira, Porto, Vila do Conde, Caxias, Coimbra . Os números dos jovens em centros educativos desceu, nestes últimos anos. Porquê? Fica a pergunta. As medidas de internamento e privação de liberdade têm sido diminutas e outras medidas têm avançado, face aos números de crime que continuam sensivelmente iguais. (ver pág. 22, desta crónica). Tivemos acesso a um relatório da Reinserção Social de 2010, e que nos diz que 226 Jovens nos C.E., em diferentes regime para cerca de 295 vagas. Apenas cerca de 300 vagas nos C.E.’s em Portugal. Serão suficientes para as necessidades? As idades que mais se impõem são dos 15 aos 17 anos. Os crimes que mais se impõem são o roubo e o furto, logo a seguir o crime contra pessoas. Nos Centros Educativos, temos de tudo, Estudo, Formação Profissional, Terapia, Atividades de lazer e Gestão Emocional.
A oportunidade é dada, é oferecida. Quem lá está, tem dois caminhos: ou o do Bem ou do Mal. Escolhe-se o Bem. Mas depois cá fora, faltam as pessoas que estão lá dentro. Boas ou más, são as que há.Estão presentes, fornecem, bem ou mal, rasgos de apoios na sua mais variadas formas. Cá fora, estão os outros, os amigos de outrora. Não conseguimos perceber qual a percentagem de reincidência. Sem e com atividades de lazer, com gestão emocional e terapia, ou com formação profissional. Fica-nos a dúvida. Será suficiente? Quais são os novos modelos? A psicoterapia? Existirá? Mas refletamos sobre o meio envolvente. Portugal tem cerca de 600 bairros problemáticos, nos quais vivem pessoas, muitas pessoas, apinhadas umas nas outras. Lisboa e Porto, são as cidades mais complexas e com mais densidade populacional. Está tudo perto e ‘à mão’. Cova da Moura, Bairro da Bela Vista e outros e tantos, são bairros onde nascem muitas das crianças com percursos pela justiça, desde novos.
Rixas entre grupos rivais, droga, tráfico de armas, desordens familiares, leis muito próprias e todo o tipo de atividades ilícitas são o dia-a-dia de crianças destes bairros. Absorvem os acontecimentos à sua volta, integram experiências em violência, pobreza, sobrevivência. Assim crescem. Os bairros, os confrontos, a agressividade, são a sua pele que que se desenvolve. Num meio onde prolifera tambem a frustração contínua, não há por onde fugir. Andam de associação em associação, centro em centro, entre polícias e ladrões, saqueadores do bem e do sossego, saqueadores do mal. Onde fica o espaço para pensar? É-se pobre, vive-se entre a violência, na sobrevivência. A ajuda vai até eles, mas onde fica o tempo para maturar? O tempo do dia-a-dia? Sós consigo. Ou em grupo porque abafa o ruído que faz este crescer, por dentro. Não nos parece que haja grandes caminhos à espera destes jovens. E depois, a notícia acontece. A morte. Ou porque desafiam a polícia, ou porque se revoltam contra as buscas domiciliárias ou porque um ‘deles’ morreu.
Um luta eterna contra o (suposto?) bem?! A criminalidade, nas suas diferentes versões ou traduções sempre à espreita, a cada esquina, basta sair de casa. Em fragilidade e em frescura sobre outro olhar tentam-se ‘tratar’, nos CEE’s. Outros ganham manhas, aprendem com a experiência que (ultra)passaram e voltam ao crime, mais adultos, mais espertos com mais cuidados. Com violência crescem e com violência fazem crescer. De herança pesada, assim a delinquência é vista e vivida, por certo. Em sofrimento mas em luta para não cair na subvivência.
IN Revista consciente, Dossier Experiência, Nº 13, Novembro 2016
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