Esquizofrenia. Espaço sem o Ser. Tempo só em dor
A esquizofrenia é a impossibilidade de ser alguém. É um espaço sem o Ser, um tempo só em Dor. Sem mais, Sem menos. Alguém perdido. É a impossibilidade da existência. Violenta, massiva e solteira na dor. Ser– se esquiofrénico hoje em dia, não é, como outrora viver num hospital psiquiátrico, a cantarolar uma música de embalo em movimentos repetitivos, à espera que a vida passe, o corpo ceda quando a mente já o fez há muito. Ser-se esquizofrénico, hoje em dia, pode ser, sobreviver, sofrer mas também sobreviver.
A esquizofrenia é uma doença complexa do foro psicológico. É descrita e estudada desde os primórdios da psicologia e da medicina, sem tratamento possível à vista. Toda a ação benéfica sobre os pacientes diagnosticados corretamente com esquizofrenia, recaem sobre os sintomas, a sua integração social e comunitária. Recaem sobre, com orientação e acompanhamento, a possibilidade de ter uma vida digna, dentro dos conceitos hoje conhecidos para a doença. A esquizofrenia desde cedo é notada. A criança isola-se, tem comportamentos e afetos desapropriados para as situações, é um bébé ou criança ‘diferente’. Os seus afetos parecem descoordenados, tem algumas ‘manias’ ou ‘ritmos’. Pensamentos estranhos ou ‘esquizitos’. É diagnosticada, com poucas ou nenhumas raras excepções, na adolescência, sendo aquilo que mais se diferencia em cada diagnóstico, a intensidade dos seus sintomas. A esquizofrenia é uma doença mental séria. Ainda é levianamente confundida. Há um contínuo de estranheza e uma violenta intensidade que se denota porque sai, sempre, de qualquer parâmetro conhecido. Estes não podem ser os comuns adaptados à ciência da mente mas concepções próprias que lhe façam justiça significativa, isto é, que procuram a sua saúde mental, porque se especifica.
Não se diagnostica um esquizofrénico como tal com base em pressupostos comuns com os quais vivemos. Isso são parâmetros do técnico tosco, da ciência manienta e lobby. Para isso, temos os psicólogos, por excelência, e porque a sua função primordial é diagnosticar. Não se sabem ao certo as causas da esquizofrenia. A psicologia, tem sido aquela que melhor e de perto consegue esclarecer e compreender, aquilo que é do foro mental, em especial, na esquizofrenia. Nesta doença o que mais se revela é o comprometimento da percepção da realidade.
Noutras palavras, a realidade não é vista tal como é e quanto mais subjetiva é mais irreal fica. Desta forma, tudo de ordem interna e externa fica transformado, numa distorção máxima, fora da compreensão alheia. Do mais básico ou mais profundo. Do mais objeto ao mais subjeto. Por isso, a primeira procura, em caso de suspeita de esquizofrenia, deverá ser a psicologia. O bom profissional tem que ser procurado. O estudioso e humano. O que olha e vê, o que ouve e escuta, não o que julga que pensa e que estuda. O bom acompanhamento da esquizofrenia vai ditar o futuro do homem ou da mulher a qual se suspeita da doença. Ainda no século passado, os esquizofrénicos estavam condenados às paredes de uma enfermaria e ao isolamento, com colete de forças ou eletrochoques. Escandalosamente mal tratados, sob um poder médico que continua a achar que detêm o poder sobre a saúde mental dos seus semelhantes, a esquizofrenia, continua a ser um fenómeno para ditos estudiosos e cientistas acharem que estão a molestar ratos de laboratório. Lobotomias, torturas e mordaças de diversas naturezas, os esquizofrénicos ainda estão sob a alçada do aprisionamento. Se outrora era físico, agora é psicofármaco. E não duvidamos que o DSM, o ‘grande’ manual do médico e que serve para diagnosticar rapidamente um doente mental, serve as grandes indústrias farmacêuticas. A relação e o pensamento, não são cadeira na faculdade, não são cadeira em consultório e duvidamos que sejam nas suas próprias vidas. Mesmo em respeito por aqueles que vão além esta barreira económica ou a tentação comum da falta de seriedade, continuamos a defender, que a compreensão da esquizofrenia cabe, exclusivamente à ciência, da compreensão da psicologia pois só pela compreensão se pode identificar, se pode diagnosticar.
Na esquizofrenia há produção intensa de pensamentos surreais. As alucinações e os delírios são os sintomas que mais se impôem. O tema da perseguição, é um dos temas delirantes mais comuns também na estrutura psicótica, que é a esquizofrenia. Num dos casos mais conhecidos em psicanálise, originalmente analisado por Sigmund Freud, Dr. Schreber, Juiz brilhante, homem católico, era um homem que viveu uma vida atormentado pelos seus delírios. Por várias vezes, se afirmou perseguido por Deus. Sentia-se e vivia realmente, no seu afeto e dor psíquica, sem estômago e sem laringe. Esta última, ele própria, como dizia, tinha-a comido. Entre uma vida dedicada à uma carreira brilhante na magistratura e ao serviço de um tribunal, Daniel Paul Schreber, achava-se numa missão que lhe tinha sido confiada por Deus. Tinha que se transformar em mulher e criar uma nova raça para assim salvar a humanidade. Também era perseguido por pássaros que estavam enxertados em cadáveres de peixes. Neste mundo vivo e morto, num emaranhado que era a característica do seu mundo, vivia o juíz. Faleceu num manicómio. Muitos pacientes tem uma perda da capacidade de reagir emocionalmente às circunstâncias, ficando indiferente e sem expressão afetiva. Outras vezes os pacientes apresenta reações afetivas que são incongruentes em relação ao contexto em que se encontra. Há uma inadequação que não é momentânea, circunstancial ou discontínua. Pode tornar-se pueril e se comportar de modo excêntrico ou indiferente ao ambiente à volta. Controlável ou não, consciente ou não, destas podem resultar o seu retraiamento já habitual, perda de vontade de se relacionar ou integrar num grupo de pessoas, o que dificulta a possibilidade de modelação das suas reações. Outros sintomas podem surgir, tais como dificuldade de concentração e alterações da motricidade também são muito comuns. A esquizofrenia, dependente dos sintomas e da sua organização e/ou intensidade, pode e está caracterizada em alguns sub-tipos, os quais não vamos estender, neste artigo. Importa-nos continuar a compreender o fenómeno à luz da ciência psicológica. Com fixações importantes, precoces, ou recém-nascidas, a intoxicação por modelos e ritmos primários envenenados é aquilo que nos suscita pensar quando falamos de esquizofrenia. Alguém que é porque tem um corpo mas não é.
A sua existência mental – e física e civil também – é a tentativa, vã, de se desembaraçar de um mundo (o seu, o engolfado num pântano materno) maléfico totalmente tomado por um outro, outro esse desviante, selvático desde o primeiro esboço de vida. Sofrimento é do que se trata, apenas, sem este ter sequer possibilidade de ser nomeado, identificado, o que deixa o doente, sem defesa possível. Ninguém se defende daquilo que não conhece. Um herói de si próprio, numa luta sem fim, que é aprisionado desde cedo, em saberes toscos que se dizem científicos, porque é sobre o outro que se fala, do sofrimento que dói no outro. Desde pequenos são notados, e até morrer, uns ‘desgraçados’. Real ou não, a mãe, os primeiros cuidados são a razão principal do seu sofrimento. Olhados e desviados da relação afetiva, acima de tudo porque são vistos como ‘perigosos’ mas também porque esse outro empunha uma arma para o matar, assim o vê, embora já quase morto por dentro. Ensopado que está em mal, mal absorve aquilo que lhe pode ser benéfico. Essa é a questão psíquica que o consome para o delírio e alucinação. Preenche onde não há, quando o espaço empiolhado de quem (des)cuidou afrouxa. A sua auto-estima é rala, vaporosa e rente ao chão, embora o contrário possam dizer, pela megalomania aparente. Está pendente na vida, por uma castração primária. Massividade projetiva que ultrapassa a necessidade fisiológia que pode chegar a não ser coordenada mas pode ser contida pelos esfincteres físicos. Sem fralda ou contenção psicológica, fica o corpo em dor que cresce até adulto. De ego peuril, não se desenvolveu nas mãos enfiesadas que não o seguraram num colo sem fundo, negro e frio, assim, a não integração do corpo físico e psíquico cresce, num emaranhado de desejo que não é o seu. Prazer e desprazer encontram caminho pela realidade já obscena desde que nasceu. O símbolo é o objeto original, sempre, sem descanso. Impossível viver!. Falicismo bárbaro assemelhado a uma lamina gigante que o mutila por inteiro. O desejo não existe, a não ser, o não sonhado, como quem diz, não simbolizado. Ao adiamento da satisfação não chega, também porque o prazer se confunde com o desprazer ao mais nível profundo do seu ser. A qualidade da expectativa sobrevive na penumbra, vive no sonho, no inconsciente, na neo-realidade, desmedida, onde corpos se fundem, não em amor, mas em pedaços que se desfazem para dar lugar aos mesmos, pedaços. Fora do seu universo simbólico subvive, porque só existe o cartão da caixa mole, das lágrimas que não chorou, Cartão mole que não contem, que não se formou ou não se enformou como esqueleto mental. A intemporalidade marcada em passos reais, é onde se agarra, já em decaiamento, como um eletrão num universo que é o próprio, ínfimo….mas infinito. A mãe que não tocou no bébé ou tocou e até à exaustão, intoxicou. Há pois uma inaptidão a pensar mas talvez mais para trás, a mentalizar, a elaborar e a representar, sempre, mas sempre ao nível mais elementar. Está aquém do pensamento. Está aquém de (ser) alguém. Aquém da relação, aquém do desejo, aquém do reconhecimento. Em delírio preenche o conteúdo num espaço interno sem continente, mas não há ausência para a criação do sentido, pois também não chega ao vazio porque à espreita do rebentamento psíquico, sério, como o autista, está o esquizofrénico numa angústia incessante de fragmentação, a mesma, a dor que sustenta na vida. Os opostos intensos e bárbaros, numa incessante luta. A pontos de explodir, nas ligações que já não existem. Assim se vive em esquizofrenia. A nível cerebral as diferenças estendem-se em relação à dita normalidade. A produção invasora de projeção que retorna ainda com mais força, o cérebro ocupa-se, cansa-se e submerge a tamanha intensidade, sem fim. Ao esquizofrénico resta superar a dor psíquica, irreconhecível para qualquer um, pela alucinação, pela projeção que lhe tapa a realidade. Real ou percepcionado, desde idade muito precoce, assim é a realidade do esquizofrénico. A esquizofrenia é uma psicose. Um sofrimento impensável e pouco conhecido.
O tratamento desta passa inevitavelmente pelos medicamentos mas passa em especial pela psicoterapia efetuada pelo especialista conhecedor, experiente e formado. O sucesso do tratamento passa também pelo envolvimento da família, a benéfica para o doente. Uma vez que é a rede social que lhe vai permitir nova integração, que lhe vai permitir a possível contenção. Já adulto, ainda em estudo, a solução para pelos outros.
A título de exemplo, original e com sucesso, está a AIEPS, que ganhou Prémio Gulbenkian de beneficiência. Na sua base está um principio fundamental — o suporte social tem um impacto grande sobre os danos que situações de stress trazem a qualquer pessoa. A rede social serve de suporte possível àquilo que outrora não existiu. Em residências comunitárias, pessoas com doença mental grave como a esquizofrenia, vivem e evoluem em qualidade de vida, com autonomia e independência. Na prevenção do isolamento e do crescimento os residentes, passo a passo, participam na comunidade, usufruindo dos seus recursos, tão naturais para todos os outros, contudo, em conquista para aquele que está doente. Habitação, desporto, emprego. Vale a pena visitar!
John Forbes Nash , Jr.
John Forbes Nash Jr., professor universitário, investigador sénior da Universidade de Princeton, que ganhou o prémio nobel de economia, foi diagnosticado como esquizofrénico. Nascido nos Estados Unidos, Jonh Nash, foi um génio da matemática que trabalhou teorias de jogos e geometria diferencial. Ficou conhecido pelo seu trabalho de excelência desenvolvido na matemática mas também pela sua dita excentricidade que foi diagnosticada como esquizofrenia. Desde pequeno, diferente da sua irmã, John Forbes Nash, isolava-se e vivia uma vida paralela à relação interpessoal comum. As suas teorias de conspiração e megalomania desmedida, ficaram conhecidas na faculdade, já como assistente. Mensagens em código colocadas por seres intergaláticos, ou ser o ‘imperador da antárctica’ eram algumas dessas. Foi internado diversas vezes, passando por diversos tratamentos, acabando por melhorar e deixando os farmacêuticos. Morreu em 2015, aos 86 anos, juntamente com a sua mulher, num acidente de viação.
IN Revista consciente, Dossier Experiência, Nº 15, Janeiro 2017
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