IDADE DO ESPELHO
Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais bonito do que eu?
Quem consegue esquecer a sua imagem diante do espelho? Ninguém. As crianças são exímias a descobrir o espelho. Os jovens passam horas em frente ao espelho. O reconhecimento e a aprendizagem da sua própria imagem refletida aos seus olhos é uma das maiores e prazerosas descobertas que o ser humano pode fazer. Ao espelho as crianças percebem-se, entendem-se. Primeiro o espelho-mãe, espelho-outro, depois, o espelho-eu, o espelho interior que é refletido e moldado pelo o de vidro exterior.
Ao 3º mês a criança já sorri para um espelho e embora ainda não tenha a percepção da sua imagem, reconhece o sorriso e ri mais. Por volta do 8 º mês a criança reconhece a mãe como figura principal e os outros todos aqueles que não são a mãe, os estranhos. Este reconhecimento chorado ou em desagrado nas situações de confronto traz-lhe a certeza de que é um indivíduo separado fisicamente da mãe e que necessita dos cuidados desta. Sente-se protegido por esta. Mas não só. É o rosto que conhece. Foi e é o seu rosto. Por essa altura, o medo, na sua fragilidade, é organizador da mente.
Por volta dos 10/11 meses a criança começa a perceber que a imagem refletida no espelho é ela própria. Diferente do da mãe. O fascínio do espelho é um dos mais prazerosos. Estimulam-os e desenvolve-os. Pela brincadeira, as crianças pequenas, ao espelho gritam e falam na sua linguagem. Treinam o diálogo consigo mesmo. Conseguem também através deste, reconhecer o rosto da mãe e as respetivas expressões, ao seu lado, distinta. As suas próprias expressões, em semelhança e em diferença. O que outrora, no tocar no banho com água quente, no colo, o calor, nas roupas macias, na fralda seca, os primeiros limites do seu corpo surgem e são integrados psiquicamente. Ao espelho, aos pulos enquanto a mãe cuida, confirmam. Aos poucos, e em especial nas brincadeiras de tapar e destapar a cara, como quem se esconde e esconde o corpo, a criança vai reformando a sua imagem ora de presença ora de ausência. A brincadeira com o espelho, a exploração de confirmação que não está do outro lado também levam à confirmação de que é ele que está refletido no mesmo.
Reconhecer o outro no espelho, também lhe dá a percepção que está separado desse outro. Na adolescência e em especial na pré-adolescência, quando os limites aprendidos, sentidos, são colocados à prova, em especial do corpo, a criança olha-se ao espelho demoradamente. Observa o seu corpo em diversas posturas, faz músculo, em várias perspetivas, admira-se. É ele/a! Mais ninguém. Inicio da contemplação, após momentos de descoberta de defeitos e feitios. Brinca com o espelho para saber do outro, para saber que outro olha para si e como o vê.
Na adolescência, o adolescente olha-se como olha o outro, como o outro o vê aos seus olhos. O jovem adolescente também se admira, tanto em corpo físico como em corpo psicológico, em especial em corpo psicológico. É o outro que o vê. Treina expressões, situações. Treina borbulhas e disfarça receios. Como vê ele adolescente, o outro que o vê. Essa é a brincadeira no espelho que o adolescente faz. Sai de si para pensar como o outro, sai de si para ver o outro a pensar sobre si.
Construção da sua subjetividade, construção da relação com outro que o olha e como o olha. O que esconde, como esconde e o que pode e deve ser. O que é da adolescência vincado na rebeldia, na jovialidade, na autonomia e independência, os atributos físicos e os atributos psicológicos. Enquanto que a pré-adolescencia (12 – 16 anos) é marcada pela aparência física a adolescência (17 – 19/20 anos) é marcada pelos atributos de personalidade que transparecem no corpo, nas expressões. Ideal social mas ideal íntimo. Através do espelho guarda e contem, ensaia e molda-se ao mundo para depois no real viver o ensaio, aquele que é o seu e aquele que inventou.
IN revista consciente crónica Nas Nossas Mãos, Nº 10, Agosto 2016
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