Ser discriminado

Ser Discriminado…É outra história. Comum, mas outra história. Uma história de sentimentos, de sofrimentos, solidão e aventura. Entre mundos velhos e mundos novos, o discriminado viveu. Engana-se enquanto pode ou enquanto necessita. É um dos seus maiores conflitos. De resistência e resiliência falamos. De persistência e inteligência escrevemos. Vidas Mudas, Sabedoras….. que este mundo faz-se dos fracos. Os fortes são outros…..

Ser discriminado é ser-se colocado à margem. Do convívio, do bem-estar, do sossego, da tranquilidade. Da comunicação, do afeto, da relação, da evolução. Na solidão. Hoje em dia, a discriminação continua acesa entre os povos, entre as raças, entre o comum, ao mais ínfimo pormenor até ao mais ridículo geral. Discriminar é a ação de diferenciar ou distinguir. Pouco mais há a dizer sobre a sua definição a não ser que, é constituinte do ser humano desde que nasce, na limitação de si e do outro, na delimitação do seu corpo em relação a tudo o que o rodeia, nos limites que vão evoluindo, desenvolvendo-se e eles mesmo diferenciando-se e traduzindo-se em todas as situações da sua vida, da sua existência, nas diferentes áreas tais como a afetiva, cognitiva, perceptiva, em suma, psíquica e física. Segregar, marginalizar é parte do ser humano. O passo do objeto concreto que tanto se materializou à nossa frente e dentro nós, sermos,  até à  segregação do seu semelhante é pequeno! Sempre nos distinguimos dos outros, ou porque são de outra cor de pele ou porque têm menos habilitações ou porque têm menos dinheiro ou porque têm comportamentos menos próprios, numa conjugação de sintonias e falta destas. Procuramos todos a comunicação com aqueles que nos são semelhantes e não outros. Por qualquer razão e acima da razão na maior parte das ocasiões discriminamos, tudo e todos. Com assento numa moral subjetiva fundamos valores e convicções, escolhemos caminhos e grupos, evoluímos. Ou não. Marginalizamos, por divertimento, por sobrevivência, por satisfação ou por frustração. Toda e qualquer ação ou comportamento ocorre da percepção que nós temos da realidade que nos rodeia, na qual vivemos. E nesta, estão as pessoas, as mesmas que tambem delas, decorrem comportamentos em acordo com as suas percepções. Num mundo em que a diferença é ponto de honra, em especial como o nosso, em que, ser-se diferente é ser-se igual, mais discriminação e atos de marginalização não podiam haver. A discriminação dos outros é natural e comum. Se em pequenos a cor do blusão distingue o amigo novo na primária, em adultos, um pequeno rasgão no rosto, é motivo de desconfiança e conversas de corredores ou afastamento.

A discriminação atinge picos de estupidez e absurdos aos quais muitos se dão ao luxo e atinge proporções e massas que nos levou a constituir teoricamente leis com objetivo de, novamente, distinguir e marginalizar, aqueles que a pratiquem, sendo pois considerada crime. O homem sempre se matou e continuará a fazê-lo. Sendo crime instituído, na constituição da republica portuguesa, a par de muitos outros, inúmeros países, a par de organizações internacionais, transversais, ser-se discriminado é uma constante do dia-a-dia, nos países ditos evoluídos ou nos outros tantos, cujas re-construções constantes são a luta de entidades internacionais, odiadas entre os que se matam, mortas porque se impõem em países em guerras civis.

As pessoas em geral podem dividir-se em dois tipos: as desconfiadas por si, com necessidades acima da média (?!) de se distinguirem dos outros, e as que vão adquirindo desconfiança pelos desconfiados necessitados.  Num mundo de vítimas e vítimas agressoras assim vivemos. A delimitação de atos mais cruéis, deve-se quase exclusivamente ao medo de encarceramento. Ser- se discriminado é o dia-a-dia para a maior parte das pessoas. Em pequenos grupos ou sós se acolhem e o outro dia, é outro dia. Ser-se discriminado é sentir-se inferior, por rasgos momentos ou por uma vida inteira. Houve um ato vindo de outro que levou à sua marginalização, despeito, abuso, gozo e manipulação, no mínimo dos seus sentimentos. É uma pessoa que se sente espezinhada, trucidada pelo mundo externo, em  uníssono. A sua aprendizagem tambem a distingue. Aprende a lidar com uma realidade, só ou partilhada com um mesmo grupo nas mesmas condições, através do desenvolvimento de uma capacidade essa sim acima da média para analisar, diagnosticar os problemas existentes. Aprende a saber o que não deve, o que não pode, o que não dá certo. O poder do não, da negação, já muito argumentada em Sigmund Freud.  Aprende a discriminação e apreende o ser humano. Ser-se discriminado é ser-se distinguido pelo sofrimento provocado pelo ódio, pelo gozo, pelo espanto que a maldade e a crueldade provocam. Pela apreensão e incógnita da constituição possível dos outros até ao momento do seu ato. A pergunta habitual é: como sobreviveram assim?

O mundo vira-se ao contrário e na resistência ou ainda mais na resiliência não vira o discriminado. Apreende o específico e o geral e move-se numa capacidade estrutural, incrível, de procura de soluções bem diferentes dos patos, dos outros, dos que encostados a um sobreiro, riem e pisam. Adopta uma postura justificativa, exterior a ele ou uma postura analítica. Seguindo caminhos diferentes de evolução que só de si dependem, pois então. Tal como o ciclo do abusado e o abusador, transforma-se. Escolhe a via da inversão ou da subversão psicopática. Investe na força negativa dos outros e transforma-a ou iguala-se a estes. Justifica-se, por cima, e não muda. Paralisa e desevolui. É burro e incompetente, aliando-se ao agressor que só ele o é mas convive, relaciona-se, salta da margem para o grupo que constrói a margem a seu belo prazer, para o molho, para assim ser igual, discriminar. Não o mesmo, mas o próximo. É a falta de vontade e coragem para lidar com o sofrimento, para crescer, mudar, escondida numa capa, aparência externa, que termina por subjugar o sistema que tanto o distinguiu, para o mundo(inho) que o rodeava. É o discriminado que a favor dos outros sucumbe aos seus apelos para se tornar igual. Irresponsáveis, infelizes. Transforma a sua vida numa grande reclamação. De abusado a queixoso. Muito simples. Interioriza a culpa, a maldade. Faz mal a si. É o derrotado. É o que os outros querem de si. Aflito sem relação, argumenta. Não do real abuso mas dos outros, os falsos, os cómodos que vão servindo de aparência transferência simbólica e saudável daquilo que realmente importa ou importou. Por desvalorização da situação criminosa, violenta e cruel ou porque mais rápido e controlado, o futuro torna-se brilhante, à sua própria maneira, na cegueira do desespero ou no limiar do seu sofrimento, sem culpa, porque não é sua. Cordeiro de um rebanho de hipocrisia. Se não, esquece o mundo ideal, a tortura e o ressentimento, mas com memória e evolui e cresce. Do desafio, do teste, do ser colocado à prova resiste à tentação de se tornar igual e iguala-se a si próprio. Essa é a vitória como a múltipla personalidade que cria infinitamente outros alguéns além a vítima indefesa.

Em luta constante sem ser sobrevivência já de existir, viver ou ser, não passa de um acrescento que entra na máquina da elaboração, da boa transformação. A máquina tambem é outra.  A perfeição é estúpida e o erro pode ser amigo, em quantidades suficientes. Reforça-se e reforça os outros. Do sofrimento massivo e que afina as artérias, se sai, engrandece as veias. Do oxigénio afetivo que não recebeu transforma o dióxido em excesso, mais rapidamente. Do desaprecio, o rosa abranca. Da avareza, o preto azula. Ser discriminado é deixar de ser discriminado porque já se era. O sentimento refina e o tempo abrilhanta o ser. Os patetas são eternos, pois então, externos do externo. As dificuldades e as limitações do mundo externo são apenas pontos a vencer ou a contornar. O balanceamento o favorece. Enquanto o burro, o estúpido aparenta viver em relação humana, no seu grupinho, o discriminado, vencedor, alcança a relação. Está presente, vale alguma coisa, não é um mero objeto…simpático. Não é o todo, logo é alguma coisa. Não se é económico na coragem. O conflito é o interno, não é o beco sem saída. O orgulho não está na capa da humildade. Não usa as suas dificuldades  físicas, psiquicas, afetivas, financeiras, profissionais, relacionais para não crescer ou se manter nelas numa chantagem. Desapropria-se da inveja e a preversão que lhe quiseram incutir, os próximos, sempre habitualmente, motores da máquina trituradora, e os outros, os patetas habituais, que todos temos presentes no átomo externo que nos rodeia. Este é mesmo diferente, não sucumbe. Usa a força violenta do(s) outro(s) pois distingue-se mais, marginaliza-se ainda mais, põe-se à margem, mais ainda. O seu caminho é outro, é de outros e não dos mesmos. A culpa surreal de não se ter protegido, de não se ter cuidado, de ser gozado, espezinhado, de ter sofrido, de ter parado, de ter recuado, e ser amolgado pelo ódio e pelas gargalhadas maldosas dos outros, surge como reparadora, não do outro, que não tem cura, não entendeu, não percebeu, não compreendeu, ainda e para sempre, está aquém, mas de si, na subversão da subversão. A confiança toma outro tom. O reconhecimento é de outro local. O espaço é além. O tempo perdido é o ultimo desafio. A lei, essa vem de dentro. Não ha outra. Ser-se Discriminado  é contar uma história a si próprio durante anos. Só os seus olhos vêem, Só os seus ouvidos ouvem, Só o seu corpo sente. Só.

A sua lágrima é mais pesada e sente-a tambem diferente.  Ri diferente. Sonha diferente. Vive diferente. Diferente não de si, não do mundo que o rodeia, mas daqueles que realmente são diferentes. Marginalizados por dentro fazem-no por fora. Ser– se discriminado é estar numa condição social inferior, contínua, com forças a esgotarem ou terminadas, porque por dentro, o mundo é outro, alem de mais largo pois co-habitam aqueles seres  impertigados que nunca esquecem e em que ofender mais uma vez  ainda dá prazer. E só mais uma vez! Está sozinho é agora! Não há leis que contenham tamanha afronta do outro igual. A bem da realidade, não há lei alguma ou então é complexa. Muito complexa! Feita por iguais tomam partido. Quantas vezes virou a cara a um ser abrigo que pede esmola, encolhido no chão? O que pensou? Não haverá uma segurança social capaz de acolher estas pessoas? Não haverá uma lei que os contemple? Sabe a resposta. Quantas vezes se emocionou ao se aproximar? Ao dar alguma fruta esquecida na mala? Duas ’moedas’ em vez da pedida? Também sabe a resposta. Um sem-abrigo é um ser literalmente esmagado pela crueldade humana.  Arriscaríamos a dizer, puramente da inveja humana. E muitos outros há. O doente mental que é gozado. O transsexual que é apedrejado.  O mulçumano que é afastado. O deficiente físico que é empurrado.  A mulher que é fraca e tola. O ser humano é único na sua criatividade de excluir aquele em que projeta as suas culpas e frustrações, a sua incompetência e a sua pequenez. Sem relação, atira os outros para a solitária onde se encontra e ainda encontra colegas para o fazerem também, na imaginação em que se encontra na relação. Ou então na sua versão positiva, os marginalizados são elevados como vítimas eternas, impedindo, muitas vezes a sua real e autêntica evolução. A miséria rodeia-nos e ainda nos damos ao luxo de discriminar mais. A mim o seu reino, vivemos. De barriga ao léu a banhar-se na vida regojiza o gozão, o palermão, que fala de alto, demonstrando apenas a sua inferioridade.

De palavras vazias ilude-se ao tentar iludir os outros.  A discriminação continua a aumentar e a ausência de leis que a contemplem tambem, sendo bem reforçadas ambas as situações por aqueles que deviam ter mais responsabilidade em ambos os assuntos.  A confirmar esta nossa reflexão está o relatório da Agência Europeia para os direitos fundamentais  que assenta num estudo longitudinal que vai de 1997 a 2005 que indica que a discriminação está a aumentar  –  no emprego, na habitação ou na educação,  não havendo forma alguma de a fazer diminuir, a não ser através de campanhas de educação. Educar.  Do mesmo relatório, mas de 2017, salientamos alguns resultados de um país denominado desenvolvido: O Reino Unido.  Com base em dados nacionais , 18 % dos homens com idades compreendidas entre os 25 –34 anos concordam com a frase ‘Eu não quero que as mulheres da minha vida tenham as mesmas oportunidades que os homens’ . 17 % dos homens com idades compreendidas entre os 25-34 anos afirmam que ficariam em desvantagem se as mulheres e os homens fossem mais iguais e 20%  dos homens afirma que as igualdades das mulheres  ‘já foram longe demais’. (fra. Europa.eu). Se nos países subdesenvolvidos, as mulheres ainda são mutiladas, esquartejadas, violadas, subjugadas, nos paises desenvolvidos há consciência da verdadeira realidade?

A Childhood.org no Brasil registou cerca de 91 mil acusações de violação dos direitos das crianças, entre eles, negligência, violência psicológica, violência física e violência sexual. Com idades compreendidas entre os 8—14 anos  sendo os suspeitos conhecidos da criança. Da discriminação ao ato consumado, quantos mais haverá que não são registados? Em Portugal, segundo o Relatório Anual da APAV,  a média de vitimas em 2016 são, respetivamente + 65 anos : 3 por dia; Até aos 17 anos: 2 por dia; Mulheres (+ 18 anos) : 14 por dia; Homens ( + 18 anos) : 2 por dia.  O sofrimento  por abuso, a discriminação anda nas ruas, nos transportes públicos, nos empregos, ao seu lado. Em silêncio, na maior parte dos casos ou em extremos de bullyings sociais, consentidos e aplaudidos, ou laborais, virtuais, morais, étnicos ou éticos.  Os principais motivadores da discriminação que implica uma agressão são quase sempre a família ou aqueles que estão perto.  Amorfos e incapazes, cruéis e invejosos. Não são os desconhecidos que muito participam que afligem a vítima mas sim aqueles que durante anos ou uma vida conviveram com aquele que se tornará, mais cedo ou mais tarde, no ’saco de lixo’ de todos os males que os assolam. É preciso é oportunidade. Vivemos em grande miséria.  Em atuação direta ou em consentimento para outro tomar a sua dianteira, são os responsáveis , na maioria das situações. A linguagem e a palavra para isso serve no mínimo e o ato e a ação assim  lhe assentam no máximo da atrocidade. Dura poucos ou muitos anos.

Da diferenciação passa-se à marginalização, da singularidade atravessa-se todos os limites do respeito pela condição humana, não a do outro que já, em muito foi ultrapassada mas do próprio, a do agressor que não se respeita, vive enteiado numa rede social frágil e que raramente conhece.  Não lhe aconteça o mesmo. No país das liberdades de expressão perdem-se as definições que assim conjugam frases semelhantes . Quase todos os dias durante séculos assistimos a genocídios, a atrocidades de seres humanos contra os seus semelhantes.  Pense sobre isso.

IN Revista consciente, crónica Dossier Experiência, Nº 21, Dezembro 2017, 

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