Ser Madrasta
Abandónicas. Diabólicas. Sem afeto para dar, muita impossibilidade e confusão para oferecer. Ditadoras. Bruxas feias e más. Felizmente, a realidade é diferente. As imagens da Walt Disney dizem mais respeito ao imaginário angustiante da criança do que à realidade. As madrastas, habitualmente, não são feias, cruéis ou agressoras. O pai, separado ou viúvo, fica só com a criança. No infortúnio, na morte dos dois pais, a criança fica sozinha como enteada de um familiar próximo que a queira receber. A representação materna afigura-se na imagem da madrasta. Ser madrasta é uma situação complexa, se não, uma das tarefas mais difíceis do mundo. A história já começa no início do relacionamento amoroso. As fantasias que se criam e a ansiedade em relação à criança começam a criar-se. A relação com a criança é uma incógnita e está sempre em equação com o pai, o mesmo que é namorado, companheiro. As conversas, as vivências, a sua história envolvem sempre a criança. Está de fora. Com o tempo poderá aprofundar no homem que é o seu companheiro, o pai e a criança, no seu diálogo e no espaço afetivo reservado aos dois. A família já existe, os planos englobam dois e não três. Note que o importante é ir vivendo, não exigir aquilo que não foi o seu lugar mas sonhar com aquilo que poderá ser o seu espaço, a dois com a criança, a três. A mãe biológica será sempre a mãe biológica. Deu à luz, adquiriu direitos e deveres sobre a criança que ultrapassam, na maioria dos casos, todos, até por vezes o pai. O vínculo mais primário, puro, é o cordão umbilical.
Para a criança, as dúvidas podem ser severas, o lugar da mãe quando questionado e, ainda não percebido como não retirado, pode levar a diversas recusas. Tudo pode ser questão, na procura de significação que vai maturar na criança ao longo do convívio, dos limites, das funções, na distinção de uma e de outra, que quando bem definidas na sua mente, pode levar a aproximações significativas. Se na ausência absoluta da mãe, a criança poderá avançar mais depressa no relacionamento pela necessidade de reconstruir a sua família, quando a biológica existe, a situação poderá ser complicada uma vez que uma não substitui a outra e poderá entrar numa disputa cujo lugar não está disponível. Em ambos os casos, a criança sempre comunicará à madrasta, o seu lugar. Será comumente desafiada, questionada, recusada ouvindo frases que perdurarão algum tempo, na relação, no seu ouvido e na sua angústia, tais como ‘ não mandas em mim’, ‘não és minha mãe’, ‘ eu quero a minha mãe’, ‘não gosto de ti’, ‘ eu faço o que eu quero’, ‘ eu quero o meu pai’. Confie que estas recusas, revoltas e negações fazem parte do trilho que terá que percorrer até a um tempo e espaço de afetos na vida da criança. Ser mãe não é ser madrasta, mas ser madrasta é estar por vezes em vários papeis, um deles o de mãe. Perceberá, ao longo do tempo, qual o papel que lhe é atribuído, os limites da relação e que tipo de relação vai desenvolver com a criança
A pensar….
Não é a mãe da criança. Se mãe está viva, se a mãe conviveu com a criança, esta tem a sua representação, com tudo o que implica em termos de amor, de acolhimento e de apoio. Há um passado que influencia o presente e o futuro. Será a Madrasta, o que não deixa sombra para dúvida na possibilidade de desenvolver um relacionamento autêntico, de forte influência.
Se achar que não consegue lidar com o seu novo papel ou que não se consegue enquadrar e sintonizar agulhas com a criança, pense. Procure ajuda. Abra espaços de pensamento com alguém neutro e confiável.
Quando achar que o relacionamento regrediu, que voltou ‘à estaca zero’, dê também um passo atrás no pensamento, poderá ser positivo, na medida em que a criança poderá ter necessidade de re-pensar, testar os avanços que deu. Qualquer um de nós perante uma situação que não é expectável ou para a qual não se sente preparada, recua para redefinições.
O seu papel pode ser na linha da frente, sempre disponível fisicamente e emocionalmente ou de bastidores inesquecíveis
Salvaguarde o seu relacionamento amoroso. O seu companheiro também agradecerá pela vivência que está a transmitir ao seu enteado/a. O pai já veio com filhos contudo é companheiro/marido também. Não há um sem o outro. Identifique com clareza os problemas de afastamento ou dificuldades em conjunto e resolva em conjunto.
Não entre em jogos de silêncios, promessas ou culpas. Pense as faltas, as falhas, os erros. Faça um esforço para repará-los. Não caia na tentação de culpar as crianças pelas suas questões amorosas.
Não se compare com outras famílias, outras madrastas nem procure exaustivamente exemplos a seguir, siga o seu trilho
Vai errar muito. Perdoe-se. Aprenda com os erros. Não se culpe em demasia. Seja realista e coerente.
Seja Firme nas decisões que toma. Seja gentil e sábia. Não se julge tanto nem os outros. Pense primeiro e se não chegar pense de novo. Vai passar por vários desafios e dificuldades em que colocará em causa os seus sentimentos pela criança, pelo companheiro, pelo seu futuro. É um trabalho árduo e longo de construção. Vai viver tempos de lua-de-mel com as crianças e vai viver autênticos pesadelos. Siga o seu próprio exemplo.
E lembre-se que o relacionamento amoroso pode terminar e o seu companheiro levar as crianças. As mesmas pelas quais chorou, riu e desesperou. Pode nunca mais as ver ou pode inclusivé ser uma boa amiga de futuro.
IN Revista consciente, crónica ‘Nas Nossas Mãos‘, Nº 21, Dezembro 2017
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