Ter Tiques
Somos todos singulares. Quem nunca se apercebeu que desenvolveu um maneirismo, um tique? Todos nós apresentamos gestos e posturas, atitudes ou expressões, muito únicas que repetimos em determinadas situações também elas com conteúdos muito semelhantes umas às outras. Arquear a sobrancelha quando a conversa não agrada, piscar os olhos quando se tem que ver melhor, ter espasmos no pescoço ou nos ombros, endireitar os óculos, abrir um botão do camiseiro, entre outros. Os tiques são mais frequentes do que aquilo que é habitualmente sabido ou consciente. Movimentos involuntários e rítmicos que surgem em determinadas ocasiões.
Se nos adultos surgem significadamente integrados no seu quotidiano mais sublimado, nas crianças são alvo de troça e de preocupação. Nas crianças, os tiques começam a ser notados por volta dos 5 anos, ou um pouco mais cedo, e tendem a desaparecer durante a adolescência, ou pelo menos a ser atenuados nos seus ritmos e motivos, sendo pois integrados numa personalidade. Carregam um significado por vezes mais simples do que aparentam. Não existem estudos que comprovam a sua origem genética ou biológica mas existe uma forte propensão para concluir que são de origem psicológica.
A sensibilidade da criança e a forma como lida com o mundo é o que parece estar em causa no que se refere aos tiques. Os tiques estão atribuídos a fatores ambientais e a fatores familiares, surgindo ou agravando-se em condições de stress, de ansiedade, de fadiga aumentando na presença de pessoas com as quais têm relacionamentos mais íntimos. Ter um tique ou fazer a movimentação que está implícita num tique significa que a possibilidade de aliviar a tensão e o desconforto psicológico que se está a vivenciar nesse preciso momento fica diminuído e portanto mais fácil de lidar. Menos importante para si e menos importante de si para o outro que observa o tique. A mensagem do tique é clara: não tem tanta importância como aquela que eventualmente é apreendida, para mim e para o outro que observa essa importância e/ou responsabilidade.
Exemplos de tiques
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Motores: torcer ou coçar o nariz, piscar os olhos, fazer caretas, tocar repetidamente em partes do corpo, objetos ou noutras pessoas, saltar, puxar as golas, as blusas, trocar os passos, entre outros
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Vocais: limpar a garganta, dar estalinhos com a língua, fungar, cantarolar, entre outros
Uma criança com tiques é uma criança que é vista, que se impõe. Impõe-se à informação que está a receber e a processar perante outro, aquele com o qual está em relação e cujo o tique intermeia, abafa, diminui. O tique protege a alma, a psique, a inundação, mesmo que momentânea, numa memória, numa vivência ou num sentimento menos agradável. É a sua reação ao seu processamento que é visto pelo outro. A sua repetição pode implicar a possibilidade de tempo para processar a nível emocional aquilo que inconscientemente está implicíto, e assim como os tiques tendem a desaparecer, pelo menos na sua forma mais extremada e manifesta, assim também o conflito mais profundo tende a tomar outros caminhos mais saudáveis, transformando-se e simbolizando-se.
Como Aliviar os Tiques
- Reduzir a sua importância – Se forem considerados, como habitualmente o são, passageiros, não existe motivo para os salientar e elevar dando-lhe importância, mostrando preocupação, nervosismo ou repreendendo a criança. Não promovendo a ansiedade que lhe estão associados é uma forma de diminuir a sua presença repetida.
- Reforçar a compreensão e o diálogo – Promover o diálogo sobre o tique, conversar sobre os ‘nervorsismos’ sem invadir o espaço pessoal e íntimo da criança, reduz-se a tensão que está â volta do tique. Este é integrado na relação da criança consigo própria e com os outros, sem que isso queira dizer que deva ser promovido e ter estatuto mas que passará no seu devido tempo.
- Reduzir situações que envolvam stress – As situações que provocam mais angústia e ansiedade à criança devem ser reduzidas. As atividades extra-escola em excesso, a competição para ser o melhor ou a exigência constante no sucesso elevado pode levar a um aumento de stress nas crianças. Estas devem ter sempre um tempo e espaço próprios para não fazer nada e fazer tudo aquilo que desejam. Brincar e ensaiar a sua forma de ser e estar no mundo é uma maneira de reforçar a sua personalidade, a sua auto-estima, a sua coesão e coerência, levando pois à diminuição do stress.
- Reduzir a sua própria tensão – Estar atento ao tique e às situações que os promovem, Reter o que diminui o tique e reforça-las na criança, não é perseguir e invadir esta para que se confesse ou fala indiscriminadamente sobre os seus tiques. Não empurre a sua tensão em relação aos tiques do seu filho ou filha para a criança. É necessário manter a calma e a serenidade, mesmo que o tique a deixe nervosa.
IN Revista consciente, crónica ‘ Nas Nossas Mãos’, Nº 27 , Novembro 2018
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